Dez anos depois, 7 a 1 eterniza provocação no Timão e tabu no Peixe
O dia 6 de novembro de 2005 ficou marcado na história do clássico alvinegro paulista. Há uma década, o Corinthians, engasgado com o Peixe que lhe tirara o título brasileiro de 2002, soltou a espinha da garganta ao aplicar uma histórica goleada sobre a formação praiana no Pacaembu, até então a casa da Fiel: o “eterno 7 a 1”. Com gols de Carlitos Tevez (três), Nilmar (dois), Rosinei e Marcelo Mattos, o clube do Parque São Jorge afastou as lembranças das pedaladas de Robinho, imputou de freguês o rival e encaminhou o título do Campeonato Brasileiro daquele ano.
Rosinei abriu o placar para os anfitriões no primeiro minuto. Geílson logo empatou, de cabeça, dando a impressão de que a partida seria nivelada, mas logo em seguida Nilmar acertou a trave e Tevez surpreendeu o goleiro Saulo e marcou duas vezes antes da ida aos vestiários. Qualquer chance de reação santista foi minada pela expulsão do zagueiro Rogério no início da etapa complementar. Com um a menos, o Santos ficou apático e viu o craque argentino, então com 21 anos, anotar três gols em um jogo pela primeira vez na carreira. Nilmar, que nunca havia estufado as redes no Pacaembu, fez dois, e Mattos completou o vareio em raro tento após cobrança de falta.
A chacota em torno do alvinegro praiano perdura ao longo dos anos. A cada clássico, a Fiel ainda carrega faixas alusivas ao placar, e não desperdiça chances de fazer provocações. Proibida de entrar na Vila Belmiro exibindo os dizeres “eterno 7 a 1″ na semifinal da Libertadores de 2012, a torcida encontrou uma maneira inusitada de zombar dos adversários. Ao fim do primeiro tempo, balões com a frase subiram do lado de fora do estádio, atrás da arquibancada corintiana. Para completar, o Corinthians eliminou o Santos, avançou à final contra o Boca e se sagrou campeão.
Até mesmo o departamento de marketing do Timão entrou na brincadeira. No primeiro clássico em Itaquera, ano passado, o Corinthians soube utilizar a infraestrutura do novo estádio para alfinetar os santistas, e exibiu a eterna goleada nos telões. Em julho, quando o 7 a 1 sofrido pelo Brasil na Copa do Mundo completou um ano, o Timão aproveitou o fatídico resultado para achincalhar o rival em suas páginas na internet. “Não sei se é isso que estão falando, mas… #eterno7a1″, publicou o clube junto a uma montagem com fotos de Tevez comemorando, dos balões carregando a faixa e do eternizado placar.
O fato é que desde o apito final daquele 6 de novembro de 2005 não há um encontro entre Corinthians e Santos que fique impune às provocações e lembranças da eterna goleada.
Por outro lado, uma década não foi suficiente para diminuir o desconforto na Vila Belmiro. A reportagem entrou em contato com alguns personagens da partida, mas esbarrou em negativas que se estendem ao longo da década que passou sempre que o assunto é abordado. “Me desculpe, mas não quero fazer nenhum comentário sobre isso”, disse, por exemplo, Nelsinho Baptista, treinador do Peixe na ocasião e que hoje está no Japão.
A derrota ainda é uma cicatriz aberta nos santistas. Uma espécie de assunto proibido. Pouco se fala, mas a lembrança é sempre envolvida em amargura e irritação. E muito do silêncio se deve à teoria persistente na Baixada de que alguns jogadores do elenco santista, insatisfeitos com algumas atitudes do comandante, teriam feito um complô para ‘entregar’ o jogo a fim de tirá-lo do cargo.
Nelsinho foi demitido três rodadas depois. Ainda deu tempo para também ser goleado pelo Internacional, empatar com o Paraná e cair diante do modesto Brasiliense. Tudo isso em meio a um turbilhão polêmicas, como a troca de ofensas entre Nelsinho e Gallo. E ao afastamento Ricardo Bóvio, Léo Lima, Flávio e Diego antes mesmo do clássico, que colaborou para que atletas do grupo de rebelassem.
Líderes daquele elenco, Giovanni e Ricardinho são sempre apontados como os possíveis cabeças de um movimento entre os jogadores contra Nelsinho. A reportagem também tentou ouvir o camisa 10, um dos maiores ídolos do clube, mas o ‘Messias’, que hoje vive em Belém, preferiu não se pronunciar.
Quem topou falar foi o goleiro Saulo, jovem promissor à época, mas que viu sua carreira degringolar após o 7 a 1. Independentemente disso, o então camisa 1 negou ter tomado ciência de qualquer complô antes do clássico.
“O clima na véspera do jogo era normal, estávamos focados em fazer nosso melhor dentro de campo. Se teve algum combinado paralelo, não sei dizer, era muito jovem e não participava de conversas extracampo”, contou o arqueiro à Gazeta Esportiva. “Talvez tenha havido conversas com o treinador para tentar reverter a situação, mas não posso afirmar. Não tinha vínculo de amizade a ponto de me abrirem qualquer tipo de situação. Creio que não houve complô, mas só posso falar por mim, não pelos outros.”
Em contraste com a postura esquiva dos jogadores de linha, o goleiro não se importou em tratar do tema. Saulo sofreu com as falhas do sistema defensivo de sua equipe, principalmente dos jovens Rogério, expulso, e de Halisson, que pecou nos passes em momentos cruciais, mas evitou apontar culpados e creditou o placar ao ímpeto do alvinegro paulista.
“O maior mérito foi da equipe do Corinthians, que foi superior e soube aproveitar os erros individuais que tivemos. Jogar um clássico com um a mais ajuda, e eles tiveram essa vantagem por todo o segundo tempo. Os gols foram acontecendo e não conseguimos reverter o placar nem mantê-lo menos elástico. É difícil colocar a culpa em alguém, futebol é um esporte coletivo e todos foram responsáveis, tanto os atletas quanto o treinador”, opinou.
Atualmente no São Caetano – eliminado pelo Botafogo-SP nas quartas de final da Série D no mês passado -, o dono da meta vazada jura ter superado o fiasco. Ele recebeu proposta de renovação da diretoria santista em 2006, mas a chegada de Fábio Costa (goleiro do Corinthians no 7 a 1) e de Roger, “cheios de experiência e de história”, e a consequente perda de espaço, motivaram sua transferência para a italiana Udinese, na qual ocupou o banco de reservas.
O camisa 1 voltou ao Brasil no fim de 2009 e não defendeu nenhum time expressivo desde então. Embora reconheça o eterno sofrimento causado aos fãs do alvinegro praiano, Saulo insiste que a “fatalidade”, como descreveu o elástico placar, não afetou sua carreira.
“A torcida nunca vai se esquecer, mas tive que virar a página. A sensação foi péssima. Eu tinha 20 anos e era impulsivo, ficava bravo com os comentários, mas hoje reajo de maneira diferente. São coisas que acontecem e cabe a nós superá-las. Passou uma década, o 7 a 1 ficou no passado e eu continuo em atividade. Independentemente das piadas e resultados, minha vida seguiu normalmente. Coloquei uma pá de cimento em cima desse assunto e não me afeta de forma alguma”, assegurou.
Seja verdade ou mito, é uma tarefa árdua encontrar um torcedor santista que aceite a goleada como uma partida fatídica por si só. O discurso de que “todo mundo sabe que aquele jogo foi entregue” é repetido sumariamente, mesmo sem qualquer certeza, prova ou confissão. Transformou-se na lenda mais concreta da história do Peixe, mesmo que isso soe irônico. Enquanto isso, os corintianos, que nada têm com os problemas de seu rival, não perdoam qualquer oportunidade de gozar de uma das partidas inesquecíveis de seu cartel de grandes vitórias.
A partida – que ajudou a estreitar o nome de Carlitos Tevez com a Fiel – jamais será apagada da memória, principalmente de quem viu tudo de perto, das arquibancadas do lendário Pacaembu. É a típica história que é contada de pai para filho, de avô para neto e se sucede a cada geração. O eterno 7 a 1, como ficou marcado o clássico, completa dez anos ainda vivo na memória dos alvinegros, seja para o bem ou para o mal.
Via: Gazeta Esportiva